Uma substância muito abundante no nosso cardápio tem entrado na mira de muitas pessoas que querem emagrecer ou melhorar o bem-estar e a saúde. O glúten é uma proteína encontrada na semente de muitos cereais, como trigo e a cevada. A substância é desconhecida por parte da população, mas já existe uma certa rejeição em relação ao consumo por parte de algumas pessoas. Mas, afinal, o glúten faz mal à saúde? Deve ser evitado? Estes questionamentos foram feitos a especialistas que nos ajudaram a esclarecer essas dúvidas.
O alergista, Francisco Geraldo Sarti de Carvalho, garante que não faz sentido alguém evitar o consumo de glúten sem alguma indicação de profissional de saúde. "Em uma dieta balanceada é fundamental que se tenha os alimentos que são fontes de glúten, como o trigo, que é um ótimo alimento. Aquelas pessoas que não têm intolerância ou alergia ao glúten e nem doença celíaca, podem ingerir sem problema."
Equilíbrio
Simone da Cunha Rocha Santos, presidente da Associação de Nutrição do Distrito Federal e sócia de uma empresa de consultoria em Nutrição e Fitness, esclarece que a superexposição a um alimento pode criar no organismo um pouco de intolerância a ele. "O problema é que a nossa dieta ocidental hoje em dia tem muito consumo de alimentos que tem origem no trigo, ou seja, que tem glúten. Mas é bom salientar que isso não acontece somente com glúten, é bem comum as pessoas que fazem dieta de exclusão do glúten, passarem a todos os dias comer algum outro tipo de farináceo (mandioca, arroz) e essa superexposição pode levar a pessoa a desenvolver novamente uma hipersensibilidade a esse novo alimento, porque como o sistema imunológico dela está com baixa defesa, e o intestino dela já teve danos," explica.
O gastroenterologista, Américo Silvério, compartilha da mesma visão: "O que devemos evitar são dietas desequilibradas, uma dieta muito rica em carboidratos pode trazer algum distúrbio alimentar associado, assim como dieta muito rica em gorduras etc. A não ser que você tenha alguma intolerância ao glúten, essa proteína ingerida dentro de uma dieta balanceada não tem problema nenhum."
Para trazer esse equilíbrio na ingestão de carboidratos, Simone sugere uma quebra de rotina, mas jamais a eliminação completa do glúten. "Temos a opção de comermos tubérculos no café da manhã, como produtos à base de mandioca, mas você não vai ficar o resto da vida sem comer glúten, isso não existe", afirmou a presidente da Associação de Nutrição.
Exclusão do glúten
Simone Santos alerta para o perigo desta exclusão definitiva. "É um crime algumas mães não introduzirem glúten para as crianças maiores de um ano de idade. A mãe deve dar esse alimento no momento certo, porque se ela não der, no futuro a criança pode ser um possível hipersensível ao glúten, porque na época que o sistema imunológico dela estava sendo montado ele não foi exposto àquela proteína."
Toda dieta de exclusão de alguma substância deve ser temporária e com um propósito definido, disse Simone. "Muitas vezes a gente pode tirar o glúten da dieta como uma estratégia de dar um descanso para a pessoa que está apresentando algum desconforto, e depois reintroduzir o alimento o comendo, uma vez por dia, e rodiziando a cada três dias. Muitas vezes só de diminuir o consumo do alimento já dá uma resposta bem legal para a pessoa, principalmente quando se trata de alguns distúrbios gastrintestinais", assegura.
Simone, que também é educadora física, enfatiza que a eliminação do glúten no cardápio não é "para ficar com uma barriga sarada, chapada. Se a pessoa comer só batata, mandioca, mesmo sem glúten ele pode engordar por conta do índice glicêmico destes alimentos". Por isso toda dieta de exclusão, além de temporária, deve ser elaborada por quem tenha um conhecimento muito grande de técnica dietética.
Muitos malefícios atribuídos à ingestão do glúten, principalmente espalhados em vários blogs pela internet, são "fantasiosos", alega Américo. "O glúten deve ser evitado apenas por quem tem alguma intolerância ou alergia ao glúten. Nas outras pessoas ele não vai causar nenhum sintoma. Muitos problemas imputados ao consumo dessa proteína são causados pelo excesso de carboidrato, porque o glúten é mais comumente encontrado em alimentos ricos em carboidratos. Ao contrário do que alguns afirmam, o glúten em si não vai fazer uma aderência, uma 'cola' no intestino", afirma o endocrinologista. Considera ainda que algumas pessoas acabam perdendo peso ao diminuir a ingestão de glúten simplesmente porque o carboidrato – que é calórico – foi cortado da dieta.
Sensibilidade
Francisco salienta que existem três grupos bem definidos de pessoas que enfrentam dificuldade com o consumo de glúten, "o primeiro grupo é o dos intolerantes do glúten, que não têm uma doença propriamente dita; no segundo grupo estão os celíacos, que têm uma intolerância decorrente de alterações imunológicas – a doença celíaca é autoimune –, e apresentam sintomas crônicos mais importantes; o terceiro grupo é o de pessoas alérgicas ao glúten, esses pacientes alérgicos eles podem desenvolver os sintomas digestivos, respiratórios e cutâneos, podendo até ter um choque anafilático".
A doença celíaca ocorre em cerca de 1% da população, e outras enfermidades distintas relacionadas ao glúten tem uma prevalência estimada seis vezes maiores do que a doença celíaca propriamente dita. O alergista indica que todas as pessoas que tem alergias, tanto alimentares quanto respiratórias ou dermatológicas, devem investigar a sua tolerância ao glúten e a diversos outros alimentos, assim como os que têm sintomas digestivos crônicos ou perdem peso inexplicavelmente.
Simone orienta as pessoas que desconfiam do glúten como origem de algum desconforto a jamais eliminarem por si só o glúten do cardápio. A primeira conduta deve ser procurar um profissional de saúde, pois somente um gastroenterologista pode descobrir através de diversos exames laboratoriais se a pessoa é celíaca ou não. "Uma dieta de exclusão do glúten sem determinação médica impossibilita o diagnóstico do nível de sensibilidade ao alimento, e dificultar o diagnóstico da doença de uma pessoa que pode ser celíaca pode acabar com a vida dela, porque se ela consumir uma pizza pode morrer por causa disso", enfatiza.
A nutricionista conta que "uma vez o paciente não sendo celíaco faz-se uma dieta de exclusão para observar se há alteração nos sintomas que ele apresenta. Se ao excluir o glúten não for observado nenhuma mudança, o problema dele pode ser outro, como amendoim, arroz etc... Se com a exclusão do glúten os sintomas melhorarem, o intestino dele será tratado com fibras probióticas e então o alimento é reintroduzido. Essa exclusão pode ser por 20 ou 30 dias. Depois da reintrodução a pessoa vai comer aquele alimento de três em três dias." Simone destaca que comer o mesmo alimento diariamente não é saudável para ninguém.
Correlação com outras doenças
O exagero no consumo de qualquer alimento pode levar o organismo a desenvolver uma hipersensibilidade a algum ingrediente. Francisco lembra que "às vezes uma pessoa sempre teve uma leve intolerância ao glúten, e ao ingeri-lo frequentemente ela tem os sintomas exacerbados na idade adulta".
Embora várias doenças sejam atribuídas ao consumo de glúten, ele não causa problemas nas pessoas que não apresentam qualquer hipersensibilidade ou intolerância à proteína. Mesmo assim diversos estudos científicos demonstram que uma dieta livre de glúten pode fazer parte do tratamento de outras doenças não-celíacas, como autismo, diabetes, artrite reumatoide, enteropatia por HIV, transtornos neurológicos – como TDAH, esquizofrenia e esclerose múltipla –, Síndrome do Cólon Irritável, dermatite herpetiforme e outras doenças complexas.
Simone complementa que alimentos fontes de glúten têm um alto fator inflamatório, e mesmo não sendo o causador de tantos males, ele faz parte da sistemática dessas doenças. Ela ressalta que a dieta de exclusão de glúten não é "modismo", mas serve para tratar as pessoas que tem hipersensibilidade à essa proteína, devido ou não a uma condição de saúde anterior.
"Às vezes a pessoa tem uma enxaqueca há anos e não sabe porque, aí em certo momento ela resolve fazer uma dieta de exclusão de glúten e sente que a dor de cabeça dela diminuiu muito, assim ela pode perceber que tem algum problema com esse alimento", exemplifica a nutricionista. Contudo ela frisa que o principal aspecto em qualquer tratamento é a individualidade: "Tirar leite e glúten não é a solução de todo mundo, a dieta deve ser sempre baseada em exames médicos."
Casos
Poliana Rios, dona de casa, conta que sempre tinha uma sensação de azia e percebia que constantemente sua barriga ficava inchada e a sentia pesada, mas nunca teve o diagnóstico de doença celíaca. Ela confirma que antigamente era acostumada a comer pão, macarrão, bolacha e outros alimentos provindos do trigo.
Em 2005, Poliana deu à luz a João Vithor, seu primeiro filho, e precisou fazer uma dieta restritiva de glúten para amamentar seu filho, que era celíaco. "Eu já sabia que eu era intolerante ao leite e alérgica ao ovo, mas um exame que eu fiz não apontou nada em relação ao trigo", argumentou.
Em 2012 Poliana, que tinha 27 anos à época, precisou novamente fazer uma dieta restritiva para voltar a amamentar João Vithor que estava internado. Após essa segunda fase de dieta restritiva ela tentou retornar ao consumo de derivados de trigo. "Comi um pão francês com margarina sem leite e ainda me senti mal, foi onde eu vi que o glúten me fazia mal também", diz.
A dona de casa conta que hoje em dia tudo em sua casa foi substituído "aqui não entra trigo porque a minha filha Nicole também é celíaca; até se eu comer na rua, qualquer coisa eu já me sinto mal, minha barriga fica doendo até quatro dias depois" narra.
Samantha de Consuello, fisioterapeuta, começou a apresentar desconforto com o consumo de alimentos com trigo somente após a idade adulta. "Quando eu tinha uns 30 ou 31 anos comecei a ter muitos gases e diarreia sempre após as refeições, logo após vieram dores e muito vômito praticamente toda vez que eu comia alguma coisa", relata.
Ela conta que começou a observar os próprios hábitos alimentares, já que ela é alérgica a várias coisas, "meu corpo pode ter tido essa reação por causa de um excesso de glúten que havia no meu organismo, porque naquela época minha dieta tinha muito carboidrato derivado do trigo", assume.
Naquela mesma época a fisioterapeuta fez uma viagem e foi a única que passou mal com o que comia, foi quando ela desconfiou que todo aquele incômodo poderia vir do glúten contido nos carboidratos que ela ingeria habitualmente. "Na internet eu descobri a intolerância ao glúten, e comecei eu mesma, Samantha, a diminuir o glúten da minha dieta. Quando eu diminuí o glúten eu vi que melhorava, sem ele eu não tinha enjoo, fraqueza, mal-estar, nem os gases."
Dieta
Ao chegar de viagem Samantha marcou consulta com um gastroenterologista e continuou sem consumir glúten por quase 30 dias. O gastro a encaminhou para uma alergista que pediu o exame que apontou intolerância ao glúten. A alergista, por sua vez, indicou uma dieta temporária de restrição completa de glúten e recomentou um nutricionista.
"Quando eu vi que eu estava muito boa, eu voltei a comer trigo. Depois disso eu nunca mais tive as crises de antes porque eu fiz uma desintoxicação do glúten. Eu posso até comer pizza, um misto quente, tranquilo… mas se eu passar dois dias repetindo essa dieta eu já tenho uma crise e dou diarreia", relata.
Samantha declara que é bem controlada em sua dieta e acredita que os médicos foram um canal de benção na sua vida, mas ela destaca que sequer precisou ficar retornando frequentemente a esses profissionais porque a sua cura se deu primeiramente a seu Deus, "um Deus vivo que cura, que restaura e que cuida de mim", certifica.
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