Lei muda cardápio de escolas e incentiva alimentação saudável |
Doze anos atrás, salgadinhos e frituras, doces e refrigerantes mandavam no paladar dos alunos de Florianópolis. Foi então que a cidade criou a Lei das Cantinas. Uma iniciativa pioneira no Brasil para tornar mais saudável a alimentação nas escolas. O Globo Repórter foi testemunha.
Mas será que a lei pegou? Será que as nossas crianças estão se alimentando melhor? A resposta está na boca desta turminha.
Igor Cascaes, 11 anos: Tem salada, alface, tomate, arroz, feijão, frango, tem tudo.
Globo Repórter: Sente falta de refrigerantes e doces?
Igor Cascaes: Não.
Globo Repórter: Acha que tá comendo bem assim?
Igor Cascaes: Sim. muito.
Globo Repórter: Alguém troca o lanche atual por salgadinhos, refrigerante?
Alunos: Não.
“A Lei das Cantinas teve um papel bem importante, porque foi a partir dela que a temática alimentação escolar, ela começa a ter uma proporção nacional e se vê um esforço para irem fechando, irem diminuindo as cantinas comerciais dentro das escolas e se melhorar, se qualificar o programa público de alimentação escolar”, explica a Cristine Garcia Gabriel, pesquisadora da UFSC.
Mas tirar as delícias cheias gordura, sal e açúcar não foi fácil, lembra Fernanda - que na época era estudante.
“A reação não foi muito boa, né? Muitas pessoas fizeram um abaixo assinado contra a Lei das Cantinas”, conta Fernanda Camargo Lopes, nutricionista.
Hoje, ela é nutricionista de escolas públicas e viu o quanto a comida os alunos melhorou.
”A gente saiu de um cardápio pobre em nutrientes pra tá servindo hoje um cardápio rico em alimento orgânicos, integrais, arroz, feijão, carnes de boa qualidade”, conta a nutricionista Fernanda Camargo Lopes.
Quando a gente ouve alunos falando com tanta empolgação pode até pensar que o paladar deles mudou em um passe de mágica.
“Quando a criança lá de pequenininha experimentou muito sal, muito açúcar é muito complicado a gente reeducar este hábito alimentar. É bem difícil”, diz Clarisse Corbelini de Souza, nutricionista.
Se mudar é difícil, melhor é começar desde cedo no caminho certo.
“Alimentação saudável é fundamental. Tem que começar de pequeninho, né? Pra ir acostumando”, conta Marissol Correa Dutra, agente de saúde.
Dá gosto de ver as crianças das creches municipais na hora do lanche, do almoço, do jantar. E sabe qual é o segredo?
Natalia Queiróz, seis anos: Faz um buraquinho, depois a gente bota uma sementinha, depois a gente bota um pouco de água, enterrou, daí nasceu.
Globo Repórter: E cresceu?
Natalia Queiróz: Sim.
Globo Repórter: E hoje vocês estão colhendo?
Natalia Queiróz: Hoje a gente ta colhendo.
Globo Repórter: E agora que vocês colheram vocês vão?
Natalia Queiróz: Comer.
Das 112 escolas públicas municipais da cidade, 82 tem uma horta. As vezes até falta espaço e o jeito é improvisar. Em uma das escolas, a cerca virou um canteiro de alfaces plantadas em garrafas pet. A ideia não é a horta produzir a comida da merenda dos alunos. O que se planta é educação alimentar e o que se espera colher são hábitos mais saudáveis à mesa para o resto da vida.
Eduardo Farias, agrônomo: Aqui a criança consegue entrar em contato com o alimento, sabe de onde é que vem uma beterraba, de onde é que vem uma cenoura, sabe de onde é quem vem um alface, né?
Globo Repórter: quer dizer, elas vão criando intimidade com aquilo que elas vão comer?
Eduardo Farias: Isso mesmo.
Foi o que aconteceu com a Luara.
Marissol Correa Dutra, agente de saúde: A Luara não comia salada. Não gostava de cenoura, não gostava de beterraba, de tomate, de alface.
Globo Repórter: O que que mudou?
Marissol Correa Dutra: Mudou depois que ela veio da escolinha. Que aprendeu a plantar, a colher e a comer.
“A formação do paladar acontecendo de uma forma agradável, a criança associa isso com alimentos mais saudáveis e leva isso pra vida inteira”, Rafaela Mafra, nutricionista.
Até porque, para os pequenos, tudo vira uma grande brincadeira. Da plantação ao prato. E um coleguinha estimula o outro.
Isaac Enir Pires, três anos: Olha, se tu comer só feijão, be, tu vai ficar com pouquinha força. Tu tem que comer até o prato ficar vazio pra tu ficar forte.
Professora: Ouviu o amigo?
Bernardo Martins, três anos: Ouvi. Vou comer tudo a abóbora.
Isaac Enir Pires: O alface também.
E para tudo dar certo, escola e família precisam ser parceiras.
Fábio Machado, pai de Valentina: O que ela tem em casa acaba tendo aqui e o que ela tem aqui na escola ela acaba tendo em casa também.
Globo Repórter: Então sempre tem um prato nutritivo pra Valentina?
Fábio Machado: Sempre tem um prato nutritivo.
E muitas vezes os pais precisam resistir.
Dandara Zigler, 11 anos: Eu peço frituras, daí eles nunca fazem. Só muito de vez em quando.
Globo Repórter: Eles controlam a tua alimentação papai e mamãe?
Dandara Zigler: Muito.
Para proteger ainda mais as crianças, Florianópolis foi além. Há três anos, uma portaria deu aos professores o direito de tirar as guloseimas que alguns alunos ainda insistem em levar para a escola.
“Esta semana ainda confisquei um salgadinho de um aluno. Algumas balas, chicletes. Estas coisas ainda acontecem, mas não é a regra, é a exceção. A gente pega, fala que não pode. Tenta conversar com a família. Dizer para não mandar este tipo de lanche. Mas as vezes acontece”, conta a agente de saúde Marissol Correa Dutra.
Doze anos depois, só duas lanchonetes particulares - que conseguiram se adaptar ao cardápio saudável - continuam a funcionar nas escolas do município. Os pratos coloridos, caprichados, nutritivos e saborosos são um direito das crianças e um dever do estado. Quem planta nesta horta colhe saúde e cidadania.
Fonte: g1.globo